Pítias, condenado à morte pelo tirano Dionísio, passava na prisão os seus últimos dias.
Dizia não temer a morte, mas como explicar que seus olhos se enchessem de lágrimas ao ver o caminho que se abria diante das grades da prisão?
Sim, era a dura lembrança dos velhos pais! Era ele o arrimo e o consolo deles.
Não mais suportando, um dia Pítias disse ao tirano:
- Permita-me ir à casa abraçar meus pais e resolver meus negócios. Estarei de volta em quatro dias, sem acrescentar nem uma hora a mais.
- Como posso acreditar na sua promessa? Os caminhos são desertos. O que você quer mesmo é fugir - respondeu Dionísio, irônica e zombeteiramente.
- Senhor, é preciso que eu vá. Meus pais estão velhinhos e só contam comigo para se defenderem - insistiu Pítias com o olhar nublado de lágrimas.
Vendo que o tirano se mantinha irredutível, Damon, jovem amigo de Pítias, interveio propondo:
- Conceda a licença que meu amigo pede; conheço seus pais e sei que carecem da ajuda do filho. Deixe-o partir e garanto sua volta dentro dos dias previstos, sem faltar uma hora, para lhe entregar a cabeça.
A resposta foi um "não" categórico.
Compreendendo o sofrimento do amigo, Damon propôs ficar na prisão em lugar de Pítias e morreria no lugar dele se necessário fosse. O tirano, surpreendido, aceitou a proposta. Depois de um prolongado abraço no amigo, Pítias partiu.
O dia marcado para sua execução amanheceu ensolarado. As horas passavam céleres e a guarda já se mostrava inquieta.
Entretanto, Damon procurava restabelecer a calma, garantindo que o amigo chegaria em tempo.
Finalmente chegara a hora da execução.
Os guardas tiraram os grilhões dos pés de Damon e o conduziram à praça, onde a multidão acompanhava em silêncio a cada um dos seus passos. Subiu, então, ao cadafalso.
Uma estranha agitação levou a multidão a prorromper em gritos. Era Pítias que chegava exausto e quase sem fôlego.
Porém, rompendo a multidão, galgou os degraus do cadafalso, onde, abraçando o amigo, entregou-se ao carrasco sem o menor pavor.
Os soluços da multidão comovida chegaram aos ouvidos do tirano.
Este, pondo-se de pé em sua tribuna, para melhor se convencer da cena que acabava de acontecer na praça, levantou as mãos e bradou com firmeza:
- Parem imediatamente com a execução! Esses dois jovens são dignos do amor dos homens de bem, porque sabem o quanto custa a palavra. Eles provaram saber o quanto vale a honra e o bom nome!
Descendo imediatamente daquela tribuna, dirigiu-se a Pítias e a Damon.
Dionísio estava perplexo e, abraçando-os com comoção, disse-lhes:
- Eu daria tudo para ter amigos como vocês.
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
sábado, 19 de fevereiro de 2011
METADE....
Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio. Que a morte de tudo que acredito não me tape os ouvidos e a boca. Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio. Que a música que eu ouço ao longe seja linda, ainda que triste. Que o homem que eu amo seja sempre amado, mesmo que distante. Porque metade de mim é partida, e a outra metade é saudade. Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor. Apenas respeitadas como a única coisa que resta a uma mulher inundada de sentimento. Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que calo. Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço. Que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada. Porque metade de mim é o que eu penso, e a outra metade é um vulcão. Que o medo da solidão se afaste, que o convívio comigo mesma se torne ao menos suportável. Que o espelho reflita em meu rosto o doce sorriso que eu me lembro de ter dado na infância. Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei... Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito. E que o teu silêncio me fale cada vez mais. Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço. Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba. E que ninguém a tente complicar, porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer. Porque metade de mim é a platéia, e a outra metade, a canção. E que minha loucura seja perdoada. Porque metade de mim é amor, e a outra metade... também
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